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sábado, 31 de outubro de 2009

O Mito da Mulher Triste

Sou feliz - e não sou exceção. O mundo de hoje não é de mulheres tristes, mas de lutadoras

RUTH DE AQUINO

Não me convenço de que a mulher seja mais triste que o homem. Ou que a mulher seja hoje mais infeliz que no século passado. Pesquisas com 1.500 pessoas, feitas anualmente de 1972 a 2006 nos Estados Unidos, revelariam essa “crescente tristeza” da mulher e “crescente felicidade” do homem. ÉPOCA publicou reportagem na edição passada sobre isso. Depois, a revista Time deu capa. Antes que todo mundo acredite na tristeza feminina, queria dizer: acordem. Isso não é verdade.

Lembro que minha mãe, hoje com 87 anos, me dizia: “Tenha filhos homens, porque mulher sofre muito. Homem tem mais liberdade”. O tempo dela, em que a mulher não tinha como controlar o número de filhos, precisava pedir dinheiro ao homem, era malvista caso se separasse do marido, enfrentava como dramas seus ciclos biológicos... esse tempo passou. Felizmente.

O estudo “descobriu” que as mulheres estão cada vez mais tristes por uma única medida, totalmente subjetiva. A pesquisa não se baseou em nenhum histórico de internações ou rebeldia no trabalho e em casa. Americanas entrevistadas dizem que estão menos felizes.

Imediatamente, concluiu-se que as mulheres no mundo estão mais tristes que nunca. Homens citam amigas sem namorado como provas irrefutáveis da tese. Alguns dizem que a mulher foi “enganada” pela revolução sexual – talvez a solução fosse ter um homem só a vida inteira. Eles citam a obsessão de uma minoria em parecer mais jovem, recorrendo a cosméticos e plásticas. Especialistas entendem que, claro, foi o feminismo que entristeceu as mulheres. Só pode ter sido o trabalho fora de casa o grande vilão, pela dupla jornada que sobrecarrega a mulher.

Leio as interpretações dessa pesquisa como uma ficção. Tendenciosa. Sou feliz. E não sou exceção. Mulheres bem-sucedidas no trabalho não são necessariamente mais felizes do que donas de casa. Mas o inverso também é falso. O mundo que eu encontro como jornalista nas ruas da minha cidade, nos países que visito, não é de mulheres tristes. Mas de lutadoras. Mulheres inquietas, não acomodadas, que discutem desde a relação amorosa até seu lugar no mundo. Não lhes basta que seu time de futebol ganhe o campeonato para que ela se diga feliz.

Sou feliz – e não sou exceção. O mundo de hoje não
é de mulheres tristes, mas de lutadoras

Mulher reclama mais. Sempre reclamou – isso não mudou. Ela precisou ir à rua, ser presa e espancada para conquistar direito de voto. “É a natureza da mulher”, diz Carmita Abdo, psiquiatra e professora da USP. “Por característica biológica, o homem guarda muito mais o que sente, porque mostrar fragilidades não é viril. A mulher se expressa mais, na alegria ou na tristeza. O fato de ela se questionar mais não pode ser confundido com infelicidade. O dia em que a mulher parar de reclamar, vai enfartar tanto quanto os homens, porque doenças cardiovasculares resultam muito de emoções reprimidas.”

Como no pós-guerra, a mulher foi convocada a trabalhar fora para complementar o orçamento familiar, quem sabe agora, na crise do capitalismo americano, convém espalhar que é melhor ficar em casa? Os índices de desemprego diminuiriam se as mulheres todas resolvessem de novo se domesticar.

Os cursos à noite – de ioga, dança de salão ou filosofia e arte – estão lotados de mulheres depois dos 50. Elas viajam sozinhas ou em grupo. Vivem sete anos a mais do que os homens porque cuidam da saúde. “A mulher, quando se aposenta, vai pintar uma tela, tecer o tapete, aprender jardinagem. O homem se arrepia só de pensar em se aposentar e ficar em casa”, diz Carmita.

Talvez toda a humanidade esteja mais triste e sobrecarregada com a sociedade moderna. Homens e mulheres sentem falta de tempo físico e mental para os filhos e para o lazer absoluto. Há superposição de funções.


Simone de Beauvoir disse, em O segundo sexo, que a questão da mulher não é a felicidade, mas a liberdade. Dos quase 200 comentários em epoca.com.br, pinço um de Carina, de São Paulo: “Será mesmo que as mulheres eram mais felizes quando tinham que ficar em casa sendo destratadas, traídas, sem liberdade para sair? Para um homem é fácil falar. Eu quero provas”. Carina, não temos provas. Isso é um mito.

Um comentário:

  1. Li a matéria da Época e deixei comentário, mas parece que não publicaram. Eu coloquei em meu blog,( http://multiplasrealidades.blogspot.com/2009/11/mulheres-descartaveis.html )
    e perguntei no twitter o que as mulheres achavam disso, mas só umas 2 ou 3 pessoas responderam.

    Gostei de seu texto e concordo, existe hoje um ajustamento das conquistas femininas recentes, então estamos meio num limbo, de um lado gostamos de poder ser livre para escolher, do outro ainda sonhamos com príncipes...

    Mas não acredito na infelicidade feminina.

    Vejo ainda insatisfação, porém isso mais parece algo humano que de gênero.

    Vou acrescentar seu texto à minha postagem!

    Abraços!

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