(Henrique Júdice Magalhães, no site A nova democracia)
Rompendo o silêncio da imprensa comprada e censurada, estudantes denunciam desmandos de Aécio Neves.
17 de fevereiro de 1952. Circula pela primeira vez em Belo Horizonte o semanário Binômio. Publicado por um grupo de estudantes, o jornal mistura humor e crítica política.
Minas vivia então o governo Juscelino Kubitschek. Em torno de uma imagem moderna, jovial e festiva, construía-se um clima de unanimidade forçada. Encarnando o otimismo, o governador prometia devolver ao estado a expressão política perdida desde o fim do pacto do café-com-leite. Mas por trás de seu sorriso, escondia-se a continuidade do domínio oligárquico e de suas violências ? entre elas, a censura à imprensa. O Binômio foi o único jornal a expor a outra face do governador e de seu círculo de poder.
Essa história tão antiga é plena de significado e atualidade, ainda que pareça empoeirada pelo passar das décadas. É que em Minas, hoje, é necessário revolver montanhas de pó para se chegar ao âmago das coisas.
Agosto de 2006. O Centro Acadêmico Afonso Pena, entidade representativa dos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais ? UFMG publica uma edição especial de seu jornal Voz Acadêmica. O título: 4 anos sem liberdade de imprensa na terra da liberdade. Em suas doze páginas, o Voz denuncia o espancamento de professores em greve, a maquiagem das contas do governo, o direcionamento da imprensa oligárquica do estado pela irmã do governador ("dedicada tutora do ainda não interdito"), o silêncio sepulcral sobre a CPI da MBR, os subsídios da Cemig ? Companhia Energética de Minas Gerais à Vale do Rio Doce e outras mineradoras.
Com humor e sutileza, mas também com veemência, o jornal expõe os desmandos do governo Aécio Neves. Um governo no qual, em torno de uma imagem moderna, jovial e festiva, tem-se construído um clima de unanimidade forçada. Encarnando o otimismo, o governador promete devolver ao estado a expressão política perdida desde o fim do gerenciamento militar. Mas por trás de seu sorriso, esconde-se a continuidade do domínio oligárquico e de suas violências ? entre elas, a censura à imprensa.
O Voz é o único jornal mineiro a mostrar a outra face do governador e de seu círculo de poder. Inspirados nas Cartas chilenas de Tomaz Antônio Gonzaga, os estudantes publicam cartas a um imaginário Doroteu dando conta do que se passa em Minas Gerais.
Por coinciência ou não, Aécio Neves da Cunha, descende de Luis da Cunha Meneses, governador colonial de Minas Gerais entre 1783 e 1788 e alvo do poeta inconfidente, que o alcunhou Fanfarrão Minésio. "Os tempos passaram, os Cunhas, ainda não" ? diz a primeira carta. Não só eles: a permanência de meia dúzia de famílias como "donas" do estado é reflexo da ausência de transformações estruturais em Minas. Além da ausência de transformações estruturais no sistema econômico colonial, o estado padece uma estagnação intelectual e política que, nos últimos anos, atinge o paroxismo. Não por coincidência, os novos "criticos" também não assinam as cartas por extenso (usam iniciais). "Em tempos de censura, é através de grossas portas que se deixam luzes acesas" ? justificam no editorial.
Liberdade, essa palavra
Se o Voz expõe tudo o que a imprensa oligárquica (Rede Globo, Rádio Itatiaia e Estado de Minas) ocultou durante quatro anos, é no vídeo Liberdade, essa palavra, trabalho final do curso de jornalismo produzido por Marcelo Baêta e concluído no final de junho, que se revela como esse silêncio foi produzido. O filme pode ser visto, na íntegra, no saite de Baêta (www.amplifique.com).
O documentário mostra depoimentos de cinco jornalistas demitidos após publicarem matérias que desagradaram o governo estadual: Jorge Kajuru, repórter da Rede Bandeirantes nacional; Marco Nascimento, diretor de jornalismo da Rede Globo local; Ugo Braga, editor do Estado de Minas; Paulo Sérgio, apresentador da Rádio Itatiaia; Ulisses Magno, editor de Esportes da TV Minas. Todos eles perderam seus empregos entre 2003 e 2005. Há pelo menos mais dois casos: os do chefe de redação da Globo Minas, Luiz Ávila; e do colunista do Estado de Minas, Fernando Massote. O vídeo de Baêta mostra também trechos das reportagens que provocaram a queda de cada um dos entrevistados.
O império do silêncio
O mais impressionante é que nenhuma das reportagens continha qualquer crítica política ou questionamento frontal à administração Aécio. Pelo contrário, beiravam o lugar-comum. Falavam do que, na imprensa oligárquica mineira, desde sempre cúmplice do poder, era permitido falar até então: consumo de drogas ilícitas por menores de rua na região central de Belo Horizonte, favorecimento a "autoridades" no acesso a estádios de futebol, problemas relacionados à segurança pública.
Ou mesmo não falavam nada: o jornalista Ugo Braga foi demitido do cargo de editor de Economia do Estado de Minas por ter publicado, provavelmente para preencher espaço no fechamento da edição, uma nota de dez linhas noticiando que Aécio ficara mal colocado numa pesquisa nacional sobre a popularidade dos governadores. Mas o caso mais impressionante é, certamente, o de Ulisses Magno: o jornalista foi demitido porque o noticiário esportivo da TV Minas mostrou uma discussão entre um jogador de futebol e o técnico durante um treino do Cruzeiro ? clube controlado pelo ex-deputado federal Zezé Perrella, próximo ao governador.
É aí que reside a novidade da atual situação. Reflexo da estagnação intelectual que sufoca o estado, a medíocre imprensa oligárquica mineira nunca cogitou enfrentar o sistema de poder vigente (em que pese uma ou outra rusga pela divisão do saque, como a ocorrida na década de 80 entre o então governador Newton Cardoso e o Estado de Minas), nem muito menos deu a seus repórteres e editores qualquer autonomia para fazê-lo. Mas desde que o triunvirato composto por Aécio Neves, sua irmã Andréa e Antonio Augusto Anastasia (ex-eminência parda que agora assume como vice, "saindo do armário do poder", nas palavras do Voz Acadêmica) adonou-se do estado, a simples menção a problemas cotidianos está proibida.
É um espetáculo inédito ver o Palácio da Liberdade censurar sua própria imprensa. A explicação reside nas ambições que tem Aécio de ser alçado à condição de novo gerente colonial do Brasil. Não é segredo para ninguém que o governador aspira muito. Por isso, é mal vista qualquer coisa que possa interromper sua brilhante carreira. Da parte dos jornais e emissoras que se dobram, uma possível razão para tamanha subserviência é denunciada pelo Voz: em 2005, o governo mineiro gastou com publicidade mais do quíntuplo do previsto no orçamento. Este dado explica por que a longa manus de Andréa Neves alcança veículos de expressão nacional e sediados fora de Minas, como as TVs Globo e Bandeirantes.
Talvez um dia se saibam/as verdades todas, puras ? escreveu Cecília Meireles no Romanceiro da Inconfidência. Quando este tempo for história, o jornal do Centro Acadêmico Afonso Pena e o documentário de Marcelo Baêta serão faróis a guiar na névoa quem procure entender o que aconteceu em Minas Gerais.
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sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Saudações a quem tem coragem
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