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sábado, 26 de setembro de 2009

Minas dá benefício a suspeito de sonegação

Folha de São Paulo, 17 de setembro de 2009 - Primeiro Caderno - Seção: Ilustrada - Pág. E3
BRENO COSTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Bernardo Paz, investigado por fraudes, recebeu R$ 20 milhões do governo

Governo do Estado nega que esteja beneficiando o empresário com a construção do centro de convenções em Inhotim

O governo de Minas concedeu um benefício de cerca de R$ 20 milhões ao empresário e mecenas Bernardo Paz, devedor do Estado e réu numa ação judicial em que é acusado de participar de um esquema de fraudes fiscais que resultou num prejuízo de R$ 74,7 milhões ao governo mineiro.

Paz criou em 2004 o Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, em Brumadinho (60 km de BH). É o mais importante centro cultural de arte contemporânea do país, com um acervo que inclui artistas como Hélio Oiticica (1937-1980), Cildo Meireles e Matthew Barney.

Segundo a Polícia Civil e o Ministério Público, duas siderúrgicas de Paz se beneficiaram de um esquema de sonegação de impostos. O suposto esquema envolvia empresas fantasmas, laranjas e o uso de notas falsas para pagar menos ICMS.

Ele foi indiciado pela polícia sob suspeita de formação de quadrilha e fraude fiscal. Num estágio posterior, o Ministério Público excluiu o crime de formação de quadrilha por considerar que não havia provas.
Os advogados de Paz disseram à Folha que não consideram que seu cliente seja réu, já que não lhe foi dado o direito de se defender. O empresário também é cobrado na Justiça pelo Estado de Minas por dívidas de R$ 8,2 milhões de impostos.

Negócio da China
O governo mineiro acertou com o Instituto Cultural Inhotim, que gerencia o centro e cujo conselho de administração é presidido por Bernardo Paz, a construção de um centro de convenções orçado em R$ 19,6 milhões. O prédio ficará ao lado do centro cultural.

Para isso, o instituto doou ao governo de Minas, em dezembro passado, um terreno de 25 mil m2, avaliado em R$ 20 mil. Mas a doação veio acompanhada de uma série de condicionantes -entre elas, que o governo construirá o centro e entregará a administração do espaço ao próprio Inhotim.

"É um negócio da China", afirma Maria Sylvia Zanella di Pietro, professora da Faculdade de Direito da USP e uma das maiores especialistas em direito público no Brasil.

Ela e Carlos Ari Sundfeld, professor da PUC-SP, dizem que há uma irregularidade na doação. Na interpretação dos dois, o negócio precisaria ser aprovado pela Assembleia Legislativa de Minas, como determina a Constituição do Estado, já que se trata de doação que implica gastos para o governo.

Para erguer o centro, o Estado firmou dois convênios com o Ministério do Turismo, que entra com R$ 14,6 milhões, enquanto o governo mineiro dá contrapartida de R$ 5 milhões.
O TCU (Tribunal de Contas da União), que audita recursos federais, decidiu que o centro não poderá ser administrado por uma entidade privada. O governo de Minas já entrou com recurso para que o TCU mude de posição.

Não é exatamente por falta de recursos que Paz fez o acordo com o governo Aécio. Ele é sócio de mais de 20 empresas e o maior produtor independente de ferro-gusa do país, segundo sua assessoria.

As duas siderúrgicas acusadas de fraudar o governo mineiro (Itasider e MGS) têm capital social de R$ 35,1 milhões e R$ 4,76 milhões, respectivamente. O centro cultural Inhotim vale US$ 200 milhões (R$ 365 milhões), de acordo com a assessoria de Paz.

O maior comprador
Desde que decidiu investir em arte contemporânea, nos anos 1980, Paz tornou-se o maior comprador desse mercado, posto que tomou do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira.

O braço financeiro do Instituto Cultural Inhotim é uma empresa chamada Horizontes. Ela era dona do terreno onde será erguido o centro de convenções até três meses antes da doação ao Estado.
A Horizontes é controlada por uma offshore chamada Vine Hill Financial, criada nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.

Offshore é um tipo de empresa que funciona em paraíso fiscal para pagar menos impostos e para dificultar que as autoridades saibam quem são os seus proprietários.

Foi outra empresa de fora do Brasil, a Flamingo Investment Fund, aberta nas Ilhas Cayman, que fez os maiores aportes financeiros na Horizontes.

Em menos de dois anos, a Flamingo emprestou US$ 126,4 milhões (R$ 231 milhões) à Horizontes, cujo capital é de R$ 650 mil (350 vezes menos que o valor emprestado). Dois especialistas em direito financeiro ouvidos pela Folha dizem que o dinheiro emprestado deve ser do próprio Paz.

Não dá para saber se todo esse valor foi investido em arte e no centro cultural. Se o recurso foi para comprar obras de arte, é um dos maiores investimentos privados já feitos no Brasil, similar apenas aos recursos usados para comprar a coleção do Masp, em 1947. O acervo do MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo, o principal do país em arte contemporânea, é avaliado em US$ 37 milhões.

Empresa recebeu R$ 230 mi de paraíso fiscal
DA AGÊNCIA FOLHA
DA REPORTAGEM LOCAL

A Horizontes Ltda., administrada por Bernardo Paz, dona de fato do Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, e que tem capital social de R$ 650 mil, tomou emprestado em um ano e dez meses US$ 126,4 milhões (R$ 231 milhões). O dinheiro saiu de um fundo de investimentos das Ilhas Cayman, um paraíso fiscal no Caribe.

Dois especialistas em direito financeiro ouvidos pela Folha dizem não ser comum uma empresa com capital de R$ 650 mil receber um empréstimo de R$ 230 milhões.

Segundo registros públicos do Banco Central, todas as remessas feitas até hoje pelo Flamingo Fund ao Brasil tiveram como destino a empresa administrada pelo dono de Inhotim.

A Horizontes Ltda. é dona da estrutura do Centro de Arte Contemporânea de Inhotim e tem sede no mesmo prédio onde funciona a administração do Instituto Cultural Inhotim, entidade sem fins lucrativos responsável pela gestão do centro.

A empresa é controlada pela Vine Hill Financial Corp, uma offshore sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, também paraíso fiscal, que detém 92,7% das ações da Horizontes. Emílio Walter Rohrmann, advogado da Horizontes e do Instituto Inhotim, assinou documentos como procurador da Vine Hill no Brasil, mas diz estar "impedido de dar informações".

Outro lado

Mecenas de Inhotim nega ser réu em ação penal
DA AGÊNCIA FOLHA
DA REPORTAGEM LOCAL

A assessoria do empresário Bernardo Paz, que não quis dar entrevista à Folha, confirmou as dívidas com o Estado de Minas, mas negou que ele seja réu em ação penal. Segundo nota enviada por e-mail, a assessoria diz que Paz nem sequer "exerceu direito de defesa" na ação que responde, ao lado de outros 33 réus, por fraude fiscal e que, portanto, não é réu.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou a condição de réu de Paz.

O governo de Minas nega que esteja beneficiando Paz com a construção do centro de convenções em Inhotim.

O governo mineiro diz que, apesar de a administração executiva e operacional do futuro centro de convenções ser do Instituto Cultural Inhotim, a gestão do espaço ficará com o poder público, por meio de um conselho formado por três integrantes: dois do Estado e um de Inhotim. Eventuais prejuízos serão arcados pelo instituto, enquanto a destinação dos lucros será definida por um conselho gestor, segundo a assessoria.

Na apelação que fez ao TCU (Tribunal de Contas da União) para mudar sua posição sobre a concessão, o Estado argumenta que existe prazo para uso do dinheiro do Ministério do Turismo e que um atraso pode inviabilizar o centro de convenções. Alega que a irregularidade constatada pelo tribunal não foi considerada "grave".

O governo também nega que a doação com encargos tenha configurado uma aquisição onerosa, o que obrigaria uma aprovação legislativa prévia. De acordo com a assessoria do governador Aécio Neves, o Estado é "diretamente beneficiado" e será proprietário da área.

Sobre a dívida de Paz, a Advocacia Geral do Estado disse que ela "foi parcelada e vem sendo equacionada". A nota do governo ainda afirma que "o convênio com o Instituto Inhotim não interfere em procedimentos de natureza fiscal, jurídica ou fiscalizatória".

A diretora-executiva do Inhotim, Ana Lúcia Gazzola, disse que, se for constatada irregularidade na doação do terreno para a construção do centro de convenções pelo Estado, o termo pode ser assinado novamente. "Se houver qualquer problema, corrige-se", disse.

A assessoria de Paz não respondeu por que a Horizontes Ltda. é controlada pela Vine Hill Financial Corp nem quem controla a offshore. Questionada, também não explicou que garantias a empresa apresentou para conseguir, com capital de R$ 650 mil, empréstimos de US$ 126 milhões de fundo nas Ilhas Cayman.

Sobre as operações de empréstimo, diz só que eles foram contraídos "para dar suporte ao desenvolvimento de seus negócios", sem especificar onde os dólares foram aplicados.

Em nenhum momento a nota afirma que o dinheiro captado em Cayman é aplicado em obras de arte, apesar de seu objetivo social incluir "promoção de arte" e "manutenção e administração de museus".

Sobre a dívida com o Estado, diz que ela foi formada pelo não recolhimento de impostos "por contingências financeiras e/ou macroeconômicas" decorrentes da crise econômica. No entanto, 68% das dívidas executadas pelo Estado começaram a ser cobradas judicialmente antes de 2008.

A assessoria de Paz diz que a dívida vem sendo amortizada e será quitada.

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