Chegou o dia. Nosso mais caro “elefante branco”, também conhecido como Cidade Administrativa de Minas Gerais, foi inaugurado neste 4 de março, dia em que se comemora o centenário de nascimento de Tancredo Neves, avô de nosso governador. É uma obra grandiosa que teria custado aos mineiros entre R$ 1,20 bilhão e R$ 1,69 bilhão, conforme nos informam hoje os jornais O Tempo e Folha de S. Paulo, respectivamente. Mas nem todos se dão conta de que não é nem o mais importante e nem o mais caro projeto do atual governo estadual.
Falaremos sobre isso à frente. Por enquanto, vamos nos ater à diferença significativa do valor da obra, de quase R$ 500 milhões, informado pelos dois jornais. Essa diferença é significativa. R$ 550 milhões é quanto o governo Aécio Neves pretendia gastar, inicialmente, no projeto, quando ele foi anunciado em maio de 2004. Chamado então, mais modestamente, de Centro Administrativo, ele seria construído no antigo Aeroporto Carlos Prates, numa área de 600 mil metros quadrados, metade da qual seria ocupada com as construções projetadas pelo escritório de Oscar Niemeyer. Faria parte do recém-lançado Programa de Parceria Público-Privada (PPP). As empresas que decidissem investir na construção da obra teriam um reembolso garantido: o aluguel pago pelo governo de Minas, por no mínimo 30 anos, aos corajosos investidores privados.
Esse plano fracassou, mas a obra devia ser feita para marcar o governo Aécio Neves e ajudar a elegê-lo presidente da República – um projeto não apenas do governador, mas da “elite” mineira. Foi convocada então a Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais) para custear o projeto. A Codemig conta, entre suas principais fontes de renda, com os royalties pagos pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, do Grupo Moreira Salles, para a exploração das reservas de nióbio de Araxá.
Em vez da PPP, um investimento estatal. Em vez do Carlos Prates, um bairro populoso próximo do centro da capital, uma área maior, de 840 mil metros quadrados, a 20 km de distância do centro, um local bem isolado do burburinho urbano e de possíveis reivindicações populares. E pelo dobro do preço inicialmente previsto para o projeto. (Ou pelo triplo, como se descobre hoje.)
Essa escolha do local tem um caráter artificioso, como observa o professor Fernando Massote, e não é, ao menos, original. Antes de Aécio, o ditador Francisco Franco, da Espanha, já havia escolhido um local afastado de Madrid para construir uma universidade e tirá-la do foco das manifestações populares. E o governador nomeado pelo regime militar, Antônio Carlos Magalhães, construiu fora da agitação de Salvador o Centro Administrativo da Bahia, no começo da década de 1970. Cada qual escolhe seu mestre político, não é mesmo?
Na inauguração de hoje, além do avô do governador, foi homenageado Juscelino Kubitschek. Os áulicos de Aécio querem comparar sua obra à do fundador de Brasília. Mas essa é uma comparação também artificiosa. O entorno da Cidade Administrativa lembra mais corretamente as concepções arquitetônicas e urbanísticas terceiro mundistas, nas quais é comum ver-se palácios que têm seu brilho destacado pelas sombrias habitações das gentes miseráveis no seu entorno. A ocupação da região central do Brasil, apressada pela construção da nova capital, tem uma justificativa aceitável, do ponto de vista estratégico, político e social, que não se vislumbra no caso da obra de Aécio.
O que Aécio fez foi isolar a administração estadual e protegê-la contra a população. Do jornal Hoje em Dia deste 4 de março: “A empresa Veotex, vencedora de licitação, no valor de R$ 10 milhões, informou que 1.079 câmeras de segurança garantem o monitoramento da Cidade Administrativa”.
E o que diz a Folha de S. Paulo, hoje?
“A menos de um mês de deixar o cargo, o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), inicia sua despedida hoje, com a inauguração da maior obra de seus sete anos de gestão: um complexo administrativo erguido ao custo de R$ 1,688 bilhão. Após 112 anos, a sede oficial do governo de Minas sai do Palácio da Liberdade, inaugurado junto com a fundação da própria Belo Horizonte, e passa para o modernista Palácio Tiradentes, uma das cinco edificações projetadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer na Cidade Administrativa de Minas Gerais. O valor investido vai demorar 18 anos para ser compensado pela economia prevista de R$ 92 milhões anuais. O R$ 1,69 bilhão é superior à soma dos orçamentos aprovados para este ano nas áreas de assistência social, cultura, habitação, meio ambiente, ciência e tecnologia, agricultura e esportes. Avaliadas inicialmente em cerca de R$ 550 milhões, as obras de engenharia chegaram a R$ 1,1 bilhão, o dobro do previsto. Somada a outros 87 contratos levantados pela Folha desde o início das obras, em janeiro de 2008, o custo total chega a R$ 1,69 bilhão. A 20 km do centro de BH, às margens da rodovia estadual que leva ao Aeroporto de Confins, a Cidade Administrativa não tem estrutura de serviços no entorno. Para facilitar a adaptação, Aécio reduziu a jornada dos servidores de oito para seis horas, até o final do ano.”
Assinada por Breno Costa, correspondente do jornal paulista em Belo Horizonte, a notícia acrescenta um dado que a imprensa mineira ignorou até agora – e que vai continuar ignorando: “O volume de recursos movimentado pelo projeto que virou a menina dos olhos de Aécio Neves chamou a atenção do Ministério Público Estadual. Hoje, quatro inquéritos estão em andamento, todos referentes a supostas irregularidades em processos licitatórios. Nenhum deles chegou a conclusões, até o momento”.
A meu ver, o jornal paulista só se engana quando afirma que a Cidade Administrativa é a maior obra da gestão Aécio Neves.
O maior projeto do atual governo mineiro é outro, e interessa bem mais de perto à população do Estado. Chama-se Proacesso. Foi lançado em março de 2004 por Aécio Neves, com o objetivo de asfaltar estradas de acesso a 224 municípios mineiros. Seriam investidos R$ 1 bilhão até 2006, quando todo o projeto estaria executado, dos quais 100 milhões de dólares de empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Ao escrever sobre isso, no dia 30 de março de 2004, no blog Tamos com Raiva, adverti: “Obras em rodovias sempre foram escoadouros de recursos públicos, principalmente quando o governo não tem oposição, como acontece agora em Minas”. Pois bem. Leio no site do Departamento de Estradas de Rodagem:
· Até o momento já foram concluídas as pavimentações de 138 acessos, beneficiando diretamente cerca de 906 mil mineiros.
· O PROACESSO já pavimentou 3.480 km de rodovias, com investimentos superiores a R$ 2,2 bilhões, promovendo maior mobilidade aos usuários garantindo acessos aos equipamentos de educação e saúde, além de contribuir para o desenvolvimento econômico.
· O PROACESSO continua contribuindo para fazer de Minas Gerais o melhor lugar para se viver. Até agora 61% dos acessos já foram pavimentados, 35% encontram-se em andamento e 1% contratadas (aguardando formalização do licenciamento ambiental), totalizando 219 acessos, ou seja, 97% do Programa. Os acessos restantes coincidem com a diretriz de rodovias federais, dependendo de recursos da União para sua execução.
· Em 2009 foi concluída a pavimentação de 37 acessos.
Última atualização: Janeiro/2010
Em seis anos, um projeto de R$ 1 bilhão já consumiu R$ 2,2 bilhões e está longe de ser concluído. Sem dúvida, essa é a maior obra da atual gestão.
(*) Jornalista
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