A assessoria do governador Aécio Neves está distribuindo hoje à imprensa release sobre entrevista dele durante visita à Cidade Administrativa em construção no caminho para Confins. “Essa obra é, na verdade, muito mais do que a maior obra civil da América Latina. Ela é um vetor de desenvolvimento econômico para a cidade de Belo Horizonte”, diz Aécio que fala que o governo fará economia anual de R$ 80 milhões com aluguéis, conta de luz, telefone, correios e que tais.
Evidentemente, não tenho como contestar esses números e projeções, pois sequer tenho acesso aos estudos feitos. Pena que nossa imprensa não se interesse por apurar se é verdade tudo o que o governo mineiro diz. E acho que ele só não tortura as estatísticas para que elas falem o que lhe for mais conveniente, se não quiser, pois não há a contestá-lo nem imprensa, nem legislativo e nem Ministério Público… ops! escapou-me este último, apesar da advertência do intrépido Manoel Pereira, aquele padeiro que veio me substituir aqui e desistiu depois de pôr o bigode de molho.
Quem quiser saber mais o que Aécio disse, pode ler os jornais mineiros ou ir ao site do governo na Internet. Vou-me ater, aqui, à reportagem publicada no dia 30 de maio último pela revista Época e que foi editada na Internet, onde é amplamente divulgada.
O que eu poderia escrever a respeito que já não o tenha feito o professor Fernando Massote no artigo “O Faraó Aécio Neves”, publicado neste blog em 5 de junho e que cita o mesmo repertório dos slides em que a reportagem se transformou? Em vez de pirâmide, será que eu poderia chamar aquilo de Elefante Branco?
Mas, haja elefante! O artigo da Época diz que “o conjunto terá 71 elevadores, 13.000 toneladas de aço (peso equivalente a 1.900 elefantes) e 100.000 metros quadrados de vidro (o suficiente para cobrir 12 Maracanãs)”. Um pesadelo para marajá nenhum botar defeito: 1.900 elefantes desembestados a pisotear nosso solo, enquanto o erário mineiro não tem, há sete anos, dinheiro para conceder reajuste digno aos servidores estaduais e, principalmente, aos aposentados.
Neste ponto, tenho que voltar à entrevista de Aécio Neves. Ele diz: “Não são recursos do Tesouro. Os investimentos na Cidade Administrativa são recursos da Codemig, uma empresa de desenvolvimento do Estado, recursos que só podem ser utilizados em investimentos que visem o desenvolvimento da cidade, por exemplo, em distritos industriais, centros de convenções, e optamos por concentrar, pelo menos durante esses três anos, a maior parte dos recursos nessa obra indutora do desenvolvimento da cidade. Não são, portanto, recursos orçamentários que poderiam estar sendo utilizados para outros fins, como o custeio da máquina e como salário de servidores”.
Ah, bom!
De qualquer forma, as hipérboles comparativas são muitas na reportagem da Época, o que talvez possa ser confundido com propaganda de Aécio, impressão amenizada pela informação seguinte do repórter Ricardo Mendonça: “Divulgado com cautela pelo governo, o custo de R$ 1,2 bilhão da Cidade Administrativa diz respeito apenas à parte de construção civil. Depois disso, cerca de R$ 50 milhões serão necessários para instalar móveis e divisórias, montar a estrutura de informática e fazer a mudança efetiva das secretarias”. Ou esta informação: “A construção do complexo está dividida entre nove das maiores empreiteiras do país. (…) Algumas das construtoras são tradicionais doadoras de recursos para campanhas eleitorais – de todos os grandes partidos políticos no Brasil, diga-se. Das nove contratadas para fazer o complexo mineiro, oito doaram dinheiro em pelo menos uma das duas campanhas de Aécio para governador”.
Diria, então, que não se trata de propaganda da Época para Aécio. Não sei se poderia dizer o mesmo do uso que se está fazendo da reportagem na Internet sob o título “Eta, que mineiro não brinca em serviço…”
E não sou eu a duvidar disso. O projeto do Centro Administrativo, que a revista está chamando de “maior investimento do governo Aécio em quase sete anos” e “a maior edificação em andamento em toda a América Latina”, começou de forma até modesta, em comparação, mas como mineiro não brinca em serviço…
Explico: em maio de 2004, ao anunciar que o Centro Administrativo seria construído na área de 600 mil metros quadrados do antigo Aeroporto Carlos Prates, o governo de Minas dizia que seria uma Parceria Público-Privada (PPP) e a área construída de 300 mil metros quadrados. As obras estavam orçadas em R$ 500 milhões e acabaram licitadas no fim de 2007 por R$ 949 milhões, agora sem a parceria da iniciativa privada e num outro local. A área total do projeto, informa a Época, é de 804 mil metros quadrados. Mas a área construída baixou para 297 mil, enquanto o orçamento mais que duplicava, para R$ 1,2 bilhão.
Vamos supor que a obra não seja um elefante branco e muito menos uma pirâmide a merecer um registro no Guinness, como sugere a Época frente ao “maior vão-livre de concreto suspenso da história da arquitetura”, ou seja, um bloco de 147,5 metros de comprimento por 17,2 metros de largura. Vamos supor que o governo de Minas concentre ali, conforme prometeu hoje Aécio Neves, cerca de 16 mil funcionários públicos para atender a uma população flutuante, segundo a Época, de 10 mil pessoas por dia. (Nesse caso, não seria, tampouco, uma cidade fantasma).
Sobretudo, vamos dar um crédito de confiança ao subgerente de Controle de Obras da futura “Cidade Administrativa de Minas Gerais”, Otávio Neiva, que disse à Época que “isso aqui vai ficar fantástico” e que “vai ter uma prefeitura interna só para cuidar do conjunto, 5 mil vagas de estacionamento, área de convivência com restaurantes, lanchonetes, bancos. E até ônibus para circulação interna, tipo a Disney”.
Se nada disso acontecer, porém, estaremos diante de um novo Grande Hotel de Araxá…
Para quem não conhece a história: o Grande Hotel e as Termas de Araxá foram construídos pelo governo de Minas nas décadas de 30 e 40, com investimentos equivalentes ao orçamento estadual de um ano inteiro da época. O magnífico conjunto arquitetônico e artístico, com área construída de 49.600 metros quadrados, foi inaugurado em 1944 pelo presidente Getúlio Vargas. Dois anos depois, o jogo foi proibido no país e o Cassino do Grande Hotel permaneceu fechado desde então. Nascia um elefante branco: em vez de lucrar com o jogo e o turismo, o governo só tinha prejuízos. Era administrado pela estatal que mais tarde mudou de nome para Codemig, a mesma que está custeando o Centro Administrativo. Em 1994, o então presidente da estatal, Carlos Cotta, mandou fechar todo o conjunto arquitetônico, para reformas, tendo em vista sua transferência, mas três tentativas de privatização, no governo Eduardo Azeredo (PSDB), fracassaram.
Carlos Cotta, como Aécio Neves, pensava grande. Ele tinha em mãos projeto que previa a transformação do Barreiro de Araxá num grandioso resort, com investimentos totais, até 2004, estimados em cerca de US$ 250 milhões. O governador Eduardo Azeredo era entusiasta desse plano, que, infelizmente, não saiu do papel. O Plano Diretor conceitual do Pólo Turístico previa a ocupação de 93,2 hectares por novos hotéis e atrações turísticas diversas. Os estacionamentos ocupariam 18 hectares. Outros 21,5 hectares seriam destinados a clínicas médicas e psicológicas particulares. O Plano previa ainda Centro de Esqui e Academia de Golfe, Fazenda Experimental, Centro Hípico, Arena de Rodeios e um Anfiteatro ao lado da Fonte Dona Beja. Tudo estaria ligado por sistema de transporte do tipo monotrilho.
Tempos depois, a Maquiné Empreendimentos S/A, administradora do único hotel cinco estrelas de Belo Horizonte, o Ouro Minas, venceu licitação e passou a administrar aquilo que batizou de Ouro Minas Grande Hotel de Araxá Termas & Resort. Apesar do nome grandioso, a Maquiné prometeu investimentos de apenas 3 milhões de reais no empreendimento. O projeto de 250 milhões de dólares de Carlos Cotta fora esquecido, mas o governador Aécio Neves estava satisfeito: se não houvesse interessado, a Codemig seria obrigada a fechar a principal atração turística de Araxá ou, então, voltaria a ser hoteleira… e se reiniciaria o ciclo de prejuízos.
Como incurável pagador de impostos e apesar de meu ceticismo inveterado, vou torcer por uma coisa: que a Cidade Administrativa seja mesmo o que afirma o governador que será, pois seria mil vezes mais triste se, no futuro, viajantes a caminho de Confins tiverem o sentimento de frustração que me assalta ao contemplar as ruínas da fábrica da Companhia Mineira de Cervejas às margens da BR-040, aquela que, nos anos 60, prometia ser um marco da nova industrialização de Minas Gerais. Não desejo tal coisa à memória de Aécio Neves, logo ele que, até onde sei, nunca teve fama de apreciador de cerveja…
Fonte:
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segunda-feira, 21 de setembro de 2009
UM ELEFANTE INCOMODA MUITA GENTE, José de Souza Castro (*)
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