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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Mulheres que amam criminosos sexuais

Jornalista que se assustou com a quantidade de cartas de amor que criminosos sexuais recebem na cadeia fez um livro sobre essas mulheres apaixonadas. "Em mim sobrou uma profunda tristeza", escreve
LAURA LOPES
Arquivo
Gilmar Rodrigues soube que o Maníaco do Parque recebia milhares de cartas de amor todos os meses e resolveu estudar que tipo de mulher se apaixona por um estuprador
O jornalista e roteirista Gilmar Rodrigues pulou da cadeira quando soube que o Maníaco do Parque, apelido dado a Francisco de Assis Pereira, acusado de 10 mortes e 11 ataques sexuais, era um dos campeões de recebimento de cartas amorosas no presídio em que cumpre os primeiros dos 274 anos de prisão aos quais foi condenado. Como um assassino de mulheres e estuprador conseguiu atrair a atenção e o amor de outras mulheres? Rodrigues pensava ser impossível, mas descobriu que não é. No primeiro mês, Pereira recebeu mais de mil cartas, muitas de mulheres apaixonadas, dizendo que a realidade era diferente e tantas outras argumentações a favor do criminoso. "Essas mulheres correm o risco de se tornarem vítimas desses criminosos", diz o jornalista.



Assustado, Rodrigues resolveu escrever um livro sobre essas mulheres "loucas de amor". Loucas de Amor - mulheres que amam serial-killers e criminosos sexuais, da editora Ideias a Granel e lançado na terça (17) em São Paulo, conta vários casos como o de Pereira, de várias mulheres iludidas e até transcrições de cartas. Segundo o autor, "entre mulheres que se relacionam com criminosos sexuais dos mais diversos tipos, há muitas pobres e nem um pouco atraentes. Mas existem universitárias, mulheres de classe média, mulheres bonitas e, com exceção de uma, sem problemas mentais aparentes". Depois de estudar a fundo a personalidade delas, o jornalista afirma que não se pode desclassificá-las, tratando-as como loucas ou degeneradas sexuais.
Na maioria da vezes, são mulheres que nunca tiveram bons relacionamentos afetivos, sofreram abandono na infância ou abuso sexual, nem sempre foram tratadas com amor e carinho pelos pais. Elas têm baixa autoestima, algumas com visão romântica e infantilizada do amor. Outras veem isso como desafio à sociedade ou, como nunca tiveram atenção, ligam-se com homens que também não tiveram. "É uma simbiose de marginalizados. Ela vê o criminoso sexual como um igual", afirma o escritor.

A pesquisa durou quatro anos. Nesse tempo, Rodrigues entrevistou cerca de 80 pessoas, entre presos, visitantes dos detentos, mulheres que se correspondiam com homens condenados por crime sexual, advogados, agentes penitenciários, promotores, jornalistas, juízes, delegados e psiquiatras. De acordo com ele, "na penitenciária de Itaí, no interior paulista, onde estão confinados apenas homens condenados por crime sexual, há mulheres, até casadas, que escrevem para os presos, ansiosas por um relacionamento amoroso", diz.

Arquivo
Alguém se lembra do Bandido da Luz Vermelha (ou João Acácio Pereira da Costa)? Conceição Costa escreve cartas para ele até hoje e mantém seu túmulo limpo, arrumando-o toda semana. "Uma vez por ano, no feriado de finados, coloca flores, frutas e deixa uma carta e mensagens bíblicas escritas em bilhetinhos no jazigo dele", escreve o autor. Ela nutre uma paixão platônica desde que o criminoso era jovem e morava em Joinville, em Santa Catarina. Eles jamais se envolveram. Esse é o lado fantasioso e lírico. Há aquelas que se casam com os presos. Por lei, homens que cometeram crimes sexuais têm de passar por um exame psiquiátrico para receberem visitas íntimas na cadeia. Mesmo assim, sem concretizarem fisicamente o relacionamento, há mulheres que se casam com eles. Aconteceu com o Maníaco do Parque. Marisa Mendes Levy, pós-graduada em História, de família judaica e classe média alta, o viu pela primeira vez na televisão, concedendo entrevista. Ela se interessou e mandou uma camiseta com alguns dizeres. "Depois que ela havia desistido, o viu novamente na TV vestindo a camiseta. Ela escrevia de dois em dois dias para ele, cartas enormes", afirma Rodrigues.

Continuam casados até hoje? Não. Ela começou a perceber comportamentos violentos, atitudes estranhas e mudanças bruscas no comportamento dele. Muitas dessas mulheres que se casam separam depois. Em algum lugar de suas mentes fantasiosas e românticas existe algo que as diz para não seguirem em frente, que as alerta sobre o caminho perigoso que pretendem trilhar. Rodrigues escreve: "Durante todo o trabalho, busquei uma razão capaz de explicar o fenômeno, explicar essa atração feminina. Em vez de encontrar duas ou três respostas diretas, elas se multiplicaram em cada caso, cada vida. Em mim sobrou uma profunda tristeza. Um retrato perturbador da solidão e da miséria humana".

 Making of
As histórias as quais Gilmar Rodrigues teve acesso durante sua pesquisa o abalaram demais. O lado pessoal do trabalho foi publicado em quatro histórias em quadrinhos, desenhados por Fido Nesti. É uma espécie de making of do livro. "Achei que tinha coisas interessantes que apareceram na pesquisa e não caberiam no livro porque o assunto é muito forte para colocar na primeira pessoa", diz. No livro, ele dá sua opinião sobre os fatos, mas não coloca sua experiência pessoal. "Os quadrinhos dão uma certa leveza, respirada, para esse assunto pesado", afirma.
Fido Nesti
Numa das passagens em HQ feita por Fido Nesti, Gilmar vai a um presídio entrevistar estupradores, ou "Jacks", na gíria dos criminosos

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